26 de abril de 2006

Raiva?

Sentimento estranho que revolve entranhas e destrói sorrisos.
Há sombras que se misturam, imagens que se revoltam e desaparecem, palavras que desvanecem com violência da mente. Há uma porta trancada com a fechadura roída pela ferrugem. Há uma janela que bate incessantemente e faz saltar a tinta branca da madeira, duas lágrimas contidas a encher os olhos, dois lábios cerrados, encostados a uma alma inquieta devastada pelo vento.
E depois há dedos nervosos a balançar agilmente a caneta, unhas frágeis entre os dentes irrequietos, uma respiração entrecortada que não deixa sossegado o coração. Há palavras arremessadas contra os momentos que magoam, palavras que escorregam suavemente na pele e deixam marca. Há olhares aflitos, há fotografias manchadas de sal, espaços vazios do sol, feridas abertas que sangram, cicatrizes escondidas...Punhais pousados nas mesas, espadas encostadas ao sofá.
Há um cheiro de luta no ar, mas as cores que vejo vêm das tuas lágrimas...

9 de abril de 2006

O gato espreguiçava-se com languidez no tapete da sala, as horas de sono profundo a reluzirem no lombo e aquele olhar de dolce far niente que se espalhava até aos bigodes. Ele, sentado no sofá tentava ler o jornal, mas as noticias eram sempre as mesmas, o mundo estava tão igual. A temperatura abrasadora lá fora não ameaçava aquela sala, recatada, acolhedora, como que um anexo à casa. Fora construída na parte poente e era forrada a vidro. Transbordava luz natural.
Havia uma aparelhagem a um canto que gemia canções calmas de outros tempos, um sofá largo e confortável que servia de abrigo nos dias mais pesados, um tapete espraiado no chão de madeira e a sustentar uma mesa com um jarro de flores. Junto à vidraça havia bancos com almofadas...a verdadeira suite do seu gato.
Ele gostava de se sentar no sofá e ver o por do sol sem sair de casa, gostava de ouvir música de olhos fechados, cada palavra...a vida começava a andar em câmara lenta...E os seus cabelos começavam já a ficar grisalhos.
Hoje desistiu do jornal. Chamou o animal para o seu solo e ficou a ver o sol adormecer enquanto lhe afagava a cabeça. E por momentos o tempo parou...

7 de abril de 2006

Como chocolate...

7 anos, sentado no sofá a ver o que a televisão lhe dá. Uma avó preocupada que quer que ele lanche. Ele não quer comer nada a menos que tenha chocolate...
- Mais chocolate não! - Diz a avó.
- Então não quero nada.
A avó olha para mim e pede-me ajuda, "vê lá se consegues fazer com que ele coma qualquer coisa de jeito"...Eu pergunto-lhe se quer lanchar comigo, digo-lhe que lhe preparo o leite e a tosta. Pergunto-lhe se não há nada que eu possa fazer para o lanche que ele queira. Ele diz que e não e passados uns minutos diz:
- Mas sabes, há uma coisa que podes fazer...
E eu pergunto o que é. Ele levanta-se e leva-me até ao sofá:
- Sentas-te aqui, assim...
Eu obedeci e ele saltou-me para o colo e abraçou-me.

2 de abril de 2006

Terra e Mar

Molhou os pés nus na água fria, o cabelo solto dançava-lhe nos ombros e caminhou pela praia até se cansar.
A maresia embalava a bainha do vestido e ela repousava o corpo, sentada no paredão. As ondas rebentavam à sua frente e ela nunca sentira frio perto do mar, mas hoje estava a tremer. Ele chegou e sem perguntar nada sentou-se ao lado dela, deu-lhe a mão e sorriu...ela olhou-o com ternura mas não retibuiu o cumprimento. Permaneceram assim de mãos dadas durante longos minutos, até que ele falou.
- Como estás?
Ela olhou para os seus pés, os dele ao seu lado. Olhou para ele e respirou fundo.
- Agora estou bem...gosto disto aqui.
Ele tirou o casaco preto e pousou-lho nos ombros delicados, puxou-lhe os cabelos para fora do agasalho. Ela sorriu e agradeceu. O negro do casaco pousado minuciosamente no bege claro do vestido. Ele abraçou-a e ela encostou a cabeça pesada no ombro dele.
- Tenho medo que isto um dia desapareça...
As palavras receosas e singelas, deixadas ao acaso na brisa do mar. A voz ainda de menina que pedia abrigo.
- Isto o quê?
- Tu e eu...
Um sorriso tímido.
Ele riu e apertou-a com força.
- Sabes bem que não se pode separar a terra do mar.

..my joe=)