26 de dezembro de 2006

As Palavras

Às vezes as palavras ficam perdidas no fundo de um olhar, penduradas num sorriso ou outro. E quando damos por elas estão a descansar nalguma escada solarenga da nossa alma. Deixam-se ficar a ver o pôr-do-sol e a pedir-lhe baixinho para se demorar mais desta vez. E há manhãs em que saltitam no sorriso do sol, irrequietas e felizes, em que salpicam os dias de magia. Mas também há dias em que a noite é o único consolo e as palavras se escondem atrás de portas trancadas pelo tempo, se reduzem a feixes de luz esquecidos no amanhecer, a reflexos do céu nas águas paradas.
São horas em que as palavras se entristecem e pintam as frases a negro, escondem segredos. Falam baixinho, sussurram até, têm medo de fazer sangrar as feridas e rasgar de novo a pele. Tão fortes e tão frágeis.
Esquecem-nas tantas vezes nos parapeitos das janelas, nas ombreiras das portas cerradas de madeira roída e antiga. E elas permanecem como se tivessem nascido ali, nalgum canto que o sol esqueceu, no abrigo da chuva. Usamo-las com tanto desprezo que o gelo não é capaz de as abraçar e as gotas de chuva quente não chegam para as consolar. É por isso que às vezes, mas só às vezes, fogem de nós…

19 de dezembro de 2006

Meu anjo caído.

Sabe tão bem ficar a olhar para ela, sentada no sofá ao meu lado. Os lábios descansados pousados um no outro, tão leves, o seu olhar preso à televisão e as suas mãos frias abandonadas ao acaso no corpo. É tão linda que nem consigo expressar o que sinto por palavras e às vezes tenho tanta vontade de gritar que amo tudo o que nos une…
Gosto tanto de apertar os teus ombros nos meus braços, sinto que te posso proteger…sei que não passa de ilusão, mas quero acreditar que nunca ninguém te vai magoar porque eu não deixo, que as tuas mãos nunca mais vão voltar a estar frias porque terás sempre o meu calor para te aquecer. Sei que não posso ser esse herói que tanto quero para ti e tu sentes que o meu coração é nobre, o teu sorriso acalenta a força que o meu amor por ti me dá…Adoro quando sorris assim para mim, espontaneamente, sem razão, só porque eu estou ali ao pé de ti. Se pudesse congelava esses momentos e guardava-os para quando não posso olhar para esses teus olhos negros tão profundos. E gosto tanto quando os teus olhos me dizem que queres tomar conta de mim, que queres ser para sempre minha, o meu anjo. A tua pele inebria-me os sentidos, é tão suave. Às vezes tenho medo que não sejas real, és tão perfeita,mas tão triste. E custa-me olhar para os teus olhos e não poder destrinçar o que os faz tão escuros, tão magoados. Tens umas mãos tão frágeis e uma pele tão imaculada que às vezes tenho medo de te tocar…mas tu entregas-te aos meus cuidados sem medos, é essa confiança que tu tens em mim que me fascina e apaixona.
Acho que alguém perdeu um anjo durante a caminhada…Juro que às vezes até consigo ver as asas de puro branco desenharem-se nas costas delicadas.

12 de dezembro de 2006

Não.

As letras rectas, desenhadas sem o mais pequeno cuidado, brutas, riscadas com raiva, os traços desalinhados, despreocupados, cruéis.
Não seguem um padrão, diferem no tamanho, na forma, na rigidez. Mesmo as letras de contornos mais suaves não exibem a doçura que lhes seria característica, em vez disso há traços nervosos a ferir o papel. Traços que mostram muros construídos atrás das palavras, protecções com espinhos, paredes de medo erguidas com destreza atrás destes riscos soltos por um lápis de carvão enraivecido.
As palavras gritam o que querem dizer e gritam também tudo o que querem esconder, as letras interceptam-se acutilantemente, foram escritas com a crueldade na ponta dos dedos e nos olhos de quem as desenhou. É como se as palavras sucumbissem ao mal...escorrem fel.
E o carvão começa a desaparecer...mas as marcas de um coração aberto continuam lá...
Lê-se “Não quero. Não!” e há duas letras que medeiam a primeira frase, escritas timidamente em jeito de segredo envergonhado mas igualmente cruel: “te”.