21 de julho de 2008

(ilustração Zeca Cintra)

Debruçada nas grades da varanda, cantarola uma música que a avó lhe ensinou. O vestido colorido esvoaça-lhe nos joelhos massacrados pelas quedas de criança. Mandam-na sair dali mas ela mantém-se imóvel, doce rebeldia de quem recebe mimos a toda a hora.
Sorri enquanto observa dois cães a perseguirem-se pela rua. O suave balanço das horas não a incomoda, o lento girar da terra não a distrai. O mundo dela é perfeito, pleno de sol, bolos, animais e canções. A felicidade que transborda do seu sorriso é quase tangível.
Na sua inocência imaculada não sabe que um dia vai olhar para trás e ver que o tempo passa quando estamos desatentos. Que a vida se desfaz em gargalhadas e abraços, em lágrimas e palavras. Que os dias são nossos com a certeza do seu fim.

2 de julho de 2008

O silêncio arranja forma de transmitir o que queremos esconder. Resgata tudo o que não sabemos como falar ou escrever, salva as palavras que insistimos em esquecer. E em serena aquietação esperamos que ninguém perceba o que enfeitamos em sorrisos para não nos desfazermos de nós.
E dos olhares fugidios fica tanto por dizer, segredos que em surdina não soubemos como guardar. O compasso do coração é a batida da alma, que expõe o que não conseguimos verbalizar. O novelo de pensamentos é o desenho de quem aprendeu a guardar as palavras e agora não sabe como usá-las.
Vamos preenchendo os dias numa cortina opaca, cor de pastel. Numa angústia omnipresente que nos ata os tornozelos e os pulsos a uma árvore seca e morta, vamos esperando que o vento nos solte, que o sol corroa as cordas e nos devolva a liberdade. Mas enquanto houver lábios a morder as palavras por medo, não haverá espaço para voar.