28 de novembro de 2011

Encontros

Não a ouvi mas senti-lhe o cheiro. Uma lufada de ar fresco com um travo doce que interrompeu o meu pensamento. Não sei se mais alguém a sentiu, desde que perdi a visão o meu olfacto apurou-se.

Com alguma falta de inocência toquei-lhe nos pés com a bengala, foi uma provocação maliciosa porque sabia perfeitamente onde estava o corpo dela - mas às vezes gosto de tirar partido da minha condição. Pedi desculpa apressadamente e ouvi-a responder "não faz mal" numa voz quente e segura, quase cerimoniosa. Senti-lhe um sorriso nas palavras e isso obrigou-me a sorrir também. 

14 de novembro de 2011

Hipocrisias

Sento-me e olho à minha volta. As malas e mochilas carregam roupa, comida, livros e memórias que nem sempre sabemos que trazemos conosco. Os rostos nada me dizem, os olhos fugidios escondem-se em mundanidades e afastam a perturbação que lhes rouba o sono. A vida é feita de hipocrisias. 

E as malas seguem fechadas com cadeados coloridos que usamos para desencorajar os mais curiosos. Os segredos guardados que escondemos com os segredos que partilhamos. As palavras que tememos encobertas pelas frases que construímos à força. Os sorrisos que montamos como jaulas para controlar o gelo da angústia tornaram-se nos nossos sorrisos mais genuínos. Dizem-me que a tristeza é momentânea e que a felicidade vai e vem, que vivemos numa fronteira beligerante como refugiados e que procuramos incessantemente um equilíbrio que nos desequilibra.


A vida é feita de hipocrisias.