10 de dezembro de 2013

Casa coração

Quando um amor é desfeito é como se as paredes da nossa casa desaparecessem.

Quando amas dás tudo, vives nessa pessoa. Fazes casa nela, aninhas-te e até deixas os chinelos à porta. Ficas confortável. Segura. Quando essa pessoa te diz que vai alugar o quarto que tem no coração a outra pessoa é duro. Onde é que vais arrumar as tuas tralhas? Onde deixas a roupa, os pijamas e os sapatos? Fica tudo à deriva, uma nuvem de coisas que já não têm lugar. 

Tentas escondê-las num armário bafiento que tinhas lá por casa, mas nem tudo cabe. Tens de encontrar outro. Um quarto confortável onde arrumes tudo o que trazes na bagagem. Mas olhas à volta e só te aparecem dispensas escuras. Não chega e não te chega. Para tudo o que trazes contigo, nem tu te chegas.

Aos poucos vais deixando coisas aqui e ali, perdendo algumas, esquecendo outras. Ficas com aquilo que realmente te faz falta. E depois é só esperar para encontrar um quarto simpático: um 2º andar, por cima da aorta, com vista para o ventrículo esquerdo... Um daqueles que te faça feliz.

19 de novembro de 2013

Das coisas que não se vêem


São as melhores coisas do mundo, as coisas que não se vêem. As que passam despercebidas no radar de quem conta os dias. Aquelas que não se guardam em caixas, envelopes ou cofres. E no entanto, são as coisas que não se vêem que vale a pena guardar. Mas guardar no coração, nos sorrisos, na memória que nem sempre funciona bem... nas nossas caixas internas, as que temos sem saber e que nos arrumam a alma.

As coisas que não se vêem são também as que devemos mostrar. Os postais, os telefonemas, o elogios grátis, o desvio de carro para oferecer boleia a alguém. Ensinou-nos Exupéry que "o essencial é invisível aos olhos" e que são as coisas que não se vêem que tornam o deserto bonito, que são essas que nos fazem ser quem somos. Ficamos nós mais bonitos e o nosso deserto menos deserto.

21 de agosto de 2013

Até...

A ponta do coração encosta-se ao estômago e a tarefa de desfazer este nó cabe à coluna que se esforça por te manter direita. O sabor que as coisas têm é vazio, esquecido que ficou o doce de uma cereja no travo amargo de um lima.

O tempo, alinhavado a dias e bordado a horas, atravanca os momentos doces numa gaveta escura e, quando dás por ti, tens uma vela na mão e vasculhas os armários à procura desse lugar onde foste feliz.

Quantas vezes, consciente dessa incessante busca, decides apagar a vela e ficar no escuro, perdida entre o que foi e o que será. Irremediavelmente hesitante. Com todas as dúvidas do mundo a pulsarem-te nos dedos, todos os olhares a fecharem-te as pálpebras em lágrimas. 

Guardas o que te sobra e arrumas o que podes. Até à próxima vez que as certezas te caírem ao chão.

E a força de não te ter é maior do que a de te querer.

29 de julho de 2013

Lisboa Apetecida


Hoje apeteces-me, Lisboa.

Apetecem-me as tuas ruas e vielas, as janelas abertas a dar luz aos olhares esquecidos dos avós. A serenidade dos braços pousados nos parapeitos, a respiração calma de quem olha os dias e vê a vida que já passou.


Tenho vontade de esquecer as obrigações e saltar do autocarro para a calçada. Tenho vontade de percorrer os passeios que te desenham a cintura, as esquinas do teu sorriso. Quero beber da tua luz, amarela, quente, poética. Ver o dia passar... a passear por ti.  

Levar o olhar a cada cor, cada pormenor que escondes aos desatentos - aqueles que usam a rotina como um vestido de gala. Quero despir esse vestido, calçar uns ténis e percorrer as tuas ruas, Lisboa. Ver-te, saborear-te. Porque hoje apeteces-me. 

Houve um tempo em que não me apetecias, meses em que me atacavas. Dias em que gritavas os teus sons e me ferias com as tuas cores. As noites eram enlameadas e ruidosas. Estavas fechada para mim e nem eu te queria, não gostava de ti. Passaram-se anos e, sem dar por isso, conquistaste-me. A pouco e pouco foste descobrindo a beleza que escondias e eu fui amolecendo. Adoptei-te de novo - porque sempre foste a minha cidade berço - e adoptei-me em ti.

E hoje, como acontece em todos os Verões, tenho vontade de me sentar nos miradouros e escrever. Soltar as palavras em ti, para ti. Respirar fundo, o teu cheiro, o ar quente. Inspirar o último raio de sol, como quem se alimenta pela manhã. E abraçar a noite como uma despedida... agridoce, mas serena.

Apeteces-me, Lisboa. Espera por mim, um dia hei-de ter tempo.


9 de julho de 2013

Se sabes

Se sabes o que não queres, sabes o caminho que levas. Se sabes quais são os caminhos, a escolha é tua. Não é fácil, mas é tua. Se sabes o que te faz sorrir, procura esse olhar. Procura sem esperança de encontrar, tira o peso dos ombros e procura enquanto vais vivendo. Mas vive. Se sabes alguma coisa, vive. Se sabes o que te aquece o coração, faz a fogueira e deixa arder. Faz acontecer. Se sabes, vai à luta.


E quando não souberes, inventa. Inventa um mar de água morna, uma cama de rede que te guarde os sonhos. Estica os dedos e molda uma realidade pintada com as cores que tu escolheste. 

Se sabes, faz. Se não sabes, inventa. O mundo é teu e, às vezes, não faz mal não saber.

3 de julho de 2013

Palavras, outra vez.

Sempre. 

São elas que me levam, que me agarram, que me descansam e que me acordam.


É nelas que pego, como rochas, é sobre elas que penso antes de as atirar. São elas que se desfazem na minha mão antes de eu perceber que não as posso usar como quero. São elas que sabem onde cair. Mesmo quando não as quero dizer.

É a forma como se moldam na minha mente que me surpreende no papel.


13 de maio de 2013

Poucas Palavras

Há dias assim, de poucas palavras. De longos parágrafos sem nada para dizer.

Há dias que nem são dias, nem são palavras.

São cadeiras numa sala de espera vazia à procura de alguém que lhes dê presença. E as palavras que se ouvem não são nomes, nem ordens. São palavras brandas e vazias: mais silêncios do que letras. 

As horas são compostas de pausas sem som, nem forma. Os dias são feitos dos minutos que se fazem sozinhos... sem pedir autorização, sem dizer a ninguém.

Há dias assim, de poucas palavras... e muito por dizer.

14 de março de 2013

Pergunta-me noutro dia.


Essas perguntas difíceis, pergunta-me noutro dia. Aquelas que guardas no pensamento e que tens medo de fazer a ti mesmo. Hoje respondo-te o que posso. Mas pergunta-me noutro dia. Num dia em que possa compreender o meu estado de espírito. Num dia em a chuva não faça dos dias despojos cinzentos do Inverno.

Essa pontuação. Guarda-a para outras horas em que os pensamentos não me pesem. Hoje a reposta é esta. Nem sim, nem não. Nem nada. Deixa os pontos de interrogação para quando eu conseguir pôr os pontos nos is.

8 de janeiro de 2013

De outros dias

São dias que não são nossos. Ou que não querem ser. Dias que se empurram para chegar a nós e que nós chutamos para longe. Dias de outros.

Nessas manhãs, olho à minha volta e vejo as pessoas, vejo as histórias que invento displicente para elas.  Vejo os sorrisos, os gestos, a roupa que escolheram e a razão que eu lhes dou para a escolherem. E podia olhar para elas o dia todo: deixar os meus pés perdidos pela cidade, dentro e fora dos cafés, para a frente e para trás nos autocarros... até conseguir voltar.

Há dias que não são nossos porque não queremos que sejam. Porque, nesse dias, não nos queremos.