As horas já não lhe pertencem, tudo o que colheu do sol desfez-se em risos cansados e os ombros descaíram com o peso do tempo. Há dias que lhe parecem mais fáceis, passam devagarinho, silenciosos, e terminam a chorar em surdina numa qualquer calçada. Hoje tudo passou assim, uma leve brisa fria que revolveu as folhas secas no chão. Um sopro fraco de calor que lhe amotinou os pensamentos na mente. E, sem querer parar, caminha disperso em tudo o que o trouxe até ali, àquele momento em que a mente de tão vazia lhe dói e o coração quase pára de bater.
A idade diz-lhe que os seus passos já não são seguros, cada toque do sapato na calçada brilhante de água é um risco. Mas a idade também lhe provou que é dos riscos que nasce a maior gratificação e por isso continua. Não duvida do seu caminho embora não saiba para onde vai, não hesita nos movimentos, não tem medo de avançar. Quer um mundo novo, não quer voltar ao sofá encardido que deixou abandonado numa sala mal iluminada. Uma sala que se tornou o cárcere das tardes de solidão. E ele continua, porque não sabe que os seus passos o vão levar a casa.