27 de maio de 2008

Piano

Por um momento sentiu-se sufocada. Fugiu a passos nervosos para a rua, sentou-se na varanda, no precipício do arranha-céus. Perdida nos seus pensamentos, não sentia o frio a morder-lhe as faces. Algumas gotas começaram a cair e ela nem reparou, ouvia com atenção um som próximo e suave. Piano.
As teclas gemiam e rasgavam a noite, sustinham a correria da cidade por um instante. Tudo parecia silencioso, as estrelas bebiam sedentas daquela alma desfeita em notas musicais e ela permanecia imóvel, de olhos fechados e o coração escancarado. A melodia dançava no vento, preenchia o ar como um aroma agradável que não se quer esquecer.
Sentiu uma gota fria cair-lhe no joelho, mas não se inquietou. Muitas outras caíram sobre o fim do dia e ela não foi capaz de ser levantar, não enquanto aquele piano tocasse. As notas eram carícias, como doces palavras que se dizem em noites de luar e a noite chegava, embalada pelos acordes certeiros e sofridos.
Quem estaria a tocar? Não sabia, mas tinha a certeza de que permaneceria ali até o silêncio chegar. Imaginou serenamente as mãos de alguém a dançarem nas teclas neutras de um piano de cauda, o coração acelerado de quem tocava ao ver que o piano traduzia sentimentos...quase foi capaz de sentir a sua respiração ritmar a harmonia da música.
E o piano cessou, passados segundos, minutos, horas...talvez dias. E ela sentia a pele gelada e molhada, mas a alma quente e sossegada.

9 comentários:

Anónimo disse...

Muito bom, mas vindo de quem vem também já não é surpresa nenhuma. Continua. Nunca desistas de escrever. Boas inspirações :) beijo.

Anónimo disse...

Sempre sonhei - acordada - que quando fosse grande, moderna e citadina, teria momentos de sufoco, de solidão e que algo me faria debruçar sobre a janela, ter um cantinho especial de marquise ou varanda, para ouvir o mar, o barulho da cidade que não dorme, ou de um piano mágico que trouxesse vida de outro local. Sempre achei que isso seria um momento especial do meu dia, quando acordasse para a vida de outros mais de mim, que fazem coisas diferentes das minhas, mas ainda assim tornariam o meu dia, por um momento, mais especial.

Hoje, o meu momento especial foste tu.

Maestra ;).

Aquele beijo.

Anónimo disse...

Nada melhor que ao fim de um dia encontrar um local como esse para meditar sobre as dúvidas e os sentimentos que nos envolvem, e como é um bom amigo, esse piano, talvez o melhor de todos pois é nem mais nem menos a nossa própria alma, a que nos aconselha e nos mostra o melhor caminho.
Não percas nunca este dom de olhar para dentro de ti e ver com lucidez o que é melhor.
bjs
adoro-te

João Cordeiro disse...

Apenas para te dar um beijinho.


JC

J. disse...

é bom ter algo que nos aqueça a alma quando nos sentimos mais vazios. e é bom ter a possibilidade de ouvir ess som mesmo que ao longe* gostei

Fábio disse...

Todos nós precisamos de um piano para a nossa vida...para tocar as notas que dão ritmo à nossa existência.Notas mais alegres ou mais tristonhas, mas sempre notas com esperança nos bolsos. :)

João G. disse...

Gostei do texto, ta na altura de escreveres um romance! já não era sem tempo!!!

Anónimo disse...

Gostei mto...
esta tua capacidade de nos fazer meditar por entre palavras, como se o mundo paraxe e conseguixemos voar...
adoro o k escreves, como sabes.
bjinhos, Neuza

Anónimo disse...

Já há muito tempo que não passava e lia um pouco do que tens escrito... "sorry"... adorei!!!

A forma original como realças as palavras que transmitem as sensações mais importantes do texto são muito originais, muito tuas!! Neste texto em particular adorei o ambiente urbano e sufocante e agitado da cidade que consegues deixar no ar... ao mesmo tempo que permites ao leitor sentir nisso alegria ou melancolia!... A necessidade de termos momentos com "alma quente e sossegada" entre a confusão, as gentes, os sons e os cheiros que se misturam num lugar intenso fazem pensar, fazem querer viver para sentir o doce e o amargo!! enfim... acho que deves mesmo continuar!! eu voltarei! um beijo, Francisco Albuquerque