30 de abril de 2010

Começar outra vez

Sem recomeçar. Dar os primeiros passos como se nunca os tivesse dado. Escolher descuidadamente o caminho sem pensar nos quilómetros a percorrer. Respirar fundo sem o peso das responsabilidades e começar outra vez. Como se nada fosse. Como se o mundo só ficasse completo com um sorriso. Como se fossem os meus dedos a desenhar as ondas do mar. Começar outra vez. Sem hesitar, como da primeira vez.

27 de abril de 2010

Enche-me a casa de balões

Faz-me uma surpresa pouco surpresa que me deixe sorridente. Faz desenhos nos balões e deixa-os espalhados pela casa. Escreve o que quiseres em cada um deles e não sejas tímido com as cores, todas elas combinam comigo. Prometo que vou ter cuidado para não rebentar nenhum e quando perderem lentamente o ar, vou guardá-los. Sabes que adoro ver como ficam pequeninos os desenhos e como ficam perfeitas, naquele tamanho, as letras que escreveste em capitulares no balão cheio.

22 de abril de 2010

Girassol

O calor avultava o cheiro a bolachas de canela. No ar quente, o aroma característico de uma noite de verão. E as bolachas acabadas de fazer, ainda a fumegar, em cima da mesa do jardim.


Para ela tudo tem um cheiro característico, mesmo o girassol confuso do jardim, que nunca persegue a luz do sol. Acha que é por causa do orvalho que a manhã cheira a fresco e a comida acabada de fazer. Para ela é tudo tão óbvio. E quando lhe vejo um sorriso acidental apertado entre os lábios, sei que naquele momento ela está feliz. 


Lembro-me de ter tirado uma fotografia ao girassol do tamanho de um prato, que cresceu à toa de uma semente que o papagaio deixou cair. Ela sempre gostou daquela flor. Era confusa, como ela. Era gigante e estava sozinha num ambiente que nunca se preparou para a receber. Era uma lutadora e tornava o verão mais alegre. Era amarela, tinha um sorriso em cada pétala e resistia. Era isso que a tornava especial.

13 de abril de 2010

Happy XL

A música é serena. O ar cálido abraça o fim-do-dia como se não quisesse receber a noite. Num terceiro degrau de uma qualquer escada, ele fita os ténis sujos, destruídos, vividos. Relembra os sorrisos XL que via na cara de todos os amigos e que também ele ostentava, apertado entre as bochechas.
Tem uma vontade imensa de recuperar os momentos espontâneos, pintados a gargalhadas, emoldurados com abraços. Deixa a música dançar noutro ritmo e levanta-se demoradamente. Olha em frente e vê uma expressão que reconhece, um sorriso que sabe desenhar com os dedos... XL, vindo de outros Verões.

6 de abril de 2010

Escrevia

Pegou na caneta e desenhou as letras no papel. Com receio, misturou a tinta escura com a cor seca do caderno. Sem querer, despejou as palavras que ainda não sabia estarem escondidas atrás da pele... naquele lugar onde se guardam os medos. Desenhou cada letra com cuidado, com a delicadeza de quem sabe por onde começar. Mas tinha a certeza de que não sabia. As letras juntavam-se intuitivamente, como se cada uma delas só fizesse sentido rodeada de outras formas e sons. Tentava, a cada frase, desfazer-se da culpa difusa que lhe pendia nos nós dos dedos. Não sabia de onde vinha, não conhecia a sua origem, nem sabia definir a sua génese. Sentia-a, gelada, a consumir-lhe a pele e a guiar-lhe as mãos pelos recantos do dia.
E os dias foram passando, a languidez das horas a pesar-lhe nos seus dedos e a urgência de escrever a marcar o ritmo. Apesar dela, o mundo continuava, o tempo corria atrás de tudo o que nunca voltaria. E ela, sentada num qualquer vão de escada, esquecia as curvas apertadas do caminho e escrevia. Não sabia bem porquê, nem sobre quê, mas... escrevia. Até que um dia levantou a caneta do papel e já não sabia quem era.