Hoje apeteces-me, Lisboa.
Apetecem-me as tuas ruas e vielas, as janelas abertas a dar luz aos olhares esquecidos dos avós. A serenidade dos braços pousados nos parapeitos, a respiração calma de quem olha os dias e vê a vida que já passou.
Tenho vontade de esquecer as obrigações e saltar do autocarro para a calçada. Tenho vontade de percorrer os passeios que te desenham a cintura, as esquinas do teu sorriso. Quero beber da tua luz, amarela, quente, poética. Ver o dia passar... a passear por ti.
Levar o olhar a cada cor, cada pormenor que escondes aos desatentos - aqueles que usam a rotina como um vestido de gala. Quero despir esse vestido, calçar uns ténis e percorrer as tuas ruas, Lisboa. Ver-te, saborear-te. Porque hoje apeteces-me.
Houve um tempo em que não me apetecias, meses em que me atacavas. Dias em que gritavas os teus sons e me ferias com as tuas cores. As noites eram enlameadas e ruidosas. Estavas fechada para mim e nem eu te queria, não gostava de ti. Passaram-se anos e, sem dar por isso, conquistaste-me. A pouco e pouco foste descobrindo a beleza que escondias e eu fui amolecendo. Adoptei-te de novo - porque sempre foste a minha cidade berço - e adoptei-me em ti.
E hoje, como acontece em todos os Verões, tenho vontade de me sentar nos miradouros e escrever. Soltar as palavras em ti, para ti. Respirar fundo, o teu cheiro, o ar quente. Inspirar o último raio de sol, como quem se alimenta pela manhã. E abraçar a noite como uma despedida... agridoce, mas serena.
Apeteces-me, Lisboa. Espera por mim, um dia hei-de ter tempo.