30 de janeiro de 2015

Dança

As palavras que escorregam na ponta da caneta dançam. Ondulam pelo papel, pulam nos verbos, rodopiam nos adjectivos. Fazem de cada frase um espectáculo e de cada parágrafo uma temporada de teatro. Organizam um bailado só para mim, sem seguir ordens de director ou argumentista.

Dançam apenas, como se a música não fosse a minha mente. Nos dias em que o espectáculo é triste, aninham-se umas nas outras, tímidas e escuras. Nas sessões mais animadas abrem as vogais e quase cantam. Há dias em que até insistem em rimar. E nunca, mas nunca, param de dançar.


Foto: Daniel Nunes

26 de janeiro de 2015

Cadernos Vazios

Há uns anos dava por mim a colar folhas aos cadernos porque os acabava tão depressa. Hoje dou por mim a coleccionar cadernos vazios.

São fantasmas por entre os livros que leio, à espera de serem exorcizados. São lençóis por usar à espera dos sonhos que ainda tenho por sonhar. São espelhos virados uns para os outros onde ninguém se vê reflectido.

E ficam, permanecem abraçados pelos livros que já li, que não leio e que um dia vou ler. Esperam pacientemente, como se me ouvissem sussurrar "um dia volto a ter tempo para escrever".

Eu olho para eles e vejo-os: orfãos de tinta e caneta, vindos de mãos leitoras e ansiosas, cheias de esperança na entrega de uma chave para uma obra de arte.

Para mim, estes cadernos vazios são preguiça e pressa: preguiça de desmontar a vida e pressa de a viver.




Mas eu prometo, vou voltar a escrever.