27 de dezembro de 2007

A manhã

A manhã nem sempre sabe como começar. Porque há dias em que o sol se esconde por entre nuvens e árvores para não perceber a tristeza do mundo.E as horas levam-nos por entre as palavras que dizemos e aquelas que nos obrigam a ouvir. O tempo passa sem querer, sem saber onde parar. Os dias transformam-se numa sala de espera quente e iluminada, começam do avesso do fim porque não sabem como começar. E neste lugar, aconchegado por entre os minutos da correria quotidiana, podemos esticar as pernas e encostar a cabeça…e esperar. Simplesmente esperar.

Os meses correm, esquecidos nos dias iguais, como as águas límpidas das cascatas. E aquela espera serena prende-nos a qualquer momento que não devia ter acabado. Esperamos sempre…por alguém, por alguma coisa…e nessa espera somos capazes de perceber que na verdade esperamos por nós, desde que nos perdemos nas memórias até que alguma coisa nos traga de volta aos minutos que apertamos nos dedos. E nas manhãs em que o dia adia tímido o seu início afastamos o sono do corpo na esperança de haver sorrisos à nossa espera. Esperamos sempre…nem que seja para ver o dia nascer.

3 de dezembro de 2007

Saudade

Uma gota de sal no rio, uma mão trémula que agarra um lenço branco e encharcado. O calor de ombros encostados permanece num momento inevitavelmente efémero. A certeza daquela angústia póstuma no peito, a vontade de nunca parar e o querer guardar cada minuto. E por cada lágrima que o Tejo acolhe, por cada salto a pisar a calçada gasta há um sorriso e um abraço, há silêncios e risos ensurdecedores.
Um caminho que se faz lado a lado, ombro a ombro, sem esperar pelas oportunidades, a agarrar cada brisa e a respirar cada palavra como se fossem nossas. Porque agora que a noite acaba a beijar o dia, os olhos mostram o vazio que fica quando a alma se prende a um lugar. Depois dos dias acesos de alegria ficam as horas arrastadas e frias, o tempo fugiu e agora demora-se na saudade de outras músicas. E encostados à sua própria força de viver, assustados pelo frio que um coração oco promete, rezam em surdina não deixar morrer o sentimento que os une. Cantam baixinho para acalmar o corpo dormente e procuram um canto escuro na sua mente para esconderem as feridas de ver partir os anos.
Sem saberem têm a certeza de ouvir partir sentimentos, de ouvir estalar gargalhadas suspensas num plano longínquo e sentem pena. Mais que pena, dor. O levantar voo do rouxinol pequeno e amedrontado que leva todas as lamúrias de quem esquece o que vive. Porque podemos fugir das lembranças que nos fazem chorar. Mas o coração, esse, guarda a saudade.

19 de novembro de 2007

Respirar a noite

Às vezes é preciso ir ver as estrelas, respirar a noite. Sentir que nem tudo é aquilo que não queremos...olhar em frente e ter a certeza de que sabemos dirigir os passos que dermos no escuro.

As mãos geladas levam o medo, as pernas trémulas a angústia de não saber...E o vazio espraia-se na pele de quem caminha sem vontade, como o ar pesado nas noites em que nos deitamos com o nó na garganta de quem não disse tudo o que tinha a dizer.
A certeza de que o amanhã será só mais um pôr-do-sol, só mais um arco-íris passageiro, uma corda de água que deixa a vida cinzenta. Porque às vezes é assim, temos que dar a pele à chuva e sentir o frio lavar-nos de tudo o que nos faz chorar. E ficar de olhar fixo num ponto longínquo, esperar pelas palavras que nem sempre vêm. Permanecer naquele esquecimento precoce e sonhar com tudo o que desejamos em segredo.
Às vezes é preciso inspirar profundamente, aprender a querer um novo dia. É preciso saber respirar a noite para podermos acordar no dia seguinte e sermos capazes de sorrir.

7 de novembro de 2007

Sentada no balouço do sol fita os dedos envoltos na corda que segura.
Deixa a mente divagar, sente-se sorrir com certas lembranças e entristece-se com outras. A confusão não é total e sem se aperceber vai desfazendo os nós do seu pensamento com a paciência de quem doba um novelo de lã.
Hoje é um daqueles dias em que o peso ao fundo das costas é só o prenúncio de uma noite mal dormida. Hoje, ela sente aquela estranheza subtil situada entre o cansaço e o sonho. Sabe que vai acabar por passar...na verdade há poucas coisas que não são efémeras.
E enquanto segue o balanço do seu corpo, sente o ritmo do seu coração em competição com a sua mente. Estica as pernas e força as pontas do pés a tocar o chão. Lentamente e, ao desenhar dois sulcos paralelos no chão, sente-se parar. Fecha os olhos e deixa cair a cabeça para trás, o cabelo desliza-lhe dos ombros para as costas. Permanece assim até sentir coragem para voltar a abrir os olhos.
Esvazia a mente e recomeça o seu balanço suave e, com uma respiração mais profunda, diz com voz serena ao sol que a acalenta:

- Às vezes é preciso parar para recomeçar.

30 de outubro de 2007

E quando as lágrimas insistirem em cair procura um lugar onde possas encostar a cabeça e respirar. Não te esqueças que haverá sempre um amanhã e que o sal desgasta a pele porque expulsa a dor.

Lembra-te de conservar a certeza de que alguém sabe de ti o que tens medo de mostrar, não gastes a energia que te resta a torturar as pestanas de cada vez que as barreiras que foste construindo para protecção desmoronarem.
Não deixes que o frio se instale nos ossos enquanto procuras uma posição confortável, não olhes para o vazio como se fosses tu.
E quando não souberes o que fazer, aperta a minha mão e fecha os olhos. Serei a tua força quando a fraqueza te atacar. Mesmo nas noites escuras e sós, quando sentires que nada mais vale a pena pensa que existe alguém com a mesma saudade.
Porque no fundo todos nós queremos sentir que alguém virá para nos dar a mão...esperamos sempre por alguém que nos possa abraçar e beber das nossas lágrimas para que sequem. Mas há esperas vãs e aprendemos a lamber as feridas e a continuar a sorrir.

14 de outubro de 2007

Um suspiro. O ar apertado contra os ossos. Aquele sentimento de perda que tem quem não encontra o que quer. Uma confusão de pensamentos, uma amálgama de sentimentos. A combinação que desperta a inércia e que impede decisões sensatas.
O quarto está escuro, atravessado por um ténue raio de luar. Há um corpo cansado estendido na cama desfeita. O coração bate-lhe no peito como um comboio, escurecido pelo pó, que se arrasta numa marcha lenta e compassada. Os pulmões funcionam em pleno mas esforçam-se por oxigenar os pés gelados e brancos. E esse alguém estendido no colchão sabe que o mal-estar físico é consequência da dor psicológica que lhe destrói implacavelmente os pensamentos. Esse alguém alimentou-se das palavras que ouviu, que se entranharam na pele e foram enfraquecendo a alma de quem as acolheu como o bicho da madeira destrói os móveis, por dentro.

20 de setembro de 2007

Cais da Ternura

No Cais da Ternura a brisa é constante, há quem se sente e não se importe com o frio a morder-lhe os pés. Os sorrisos surgem, brilham e acabam por esmorecer. Os barcos da saudade vão e vêm, nunca ficam muito tempo porque não querem agarrar-se aos ossos de quem permanece esquecido pela emoção. E neste cais há tempo para carícias em cabelos caídos nos ombros fustigados pelo sol, há tempo para toques seguros nas costas, entrelaçar de dedos e acenos de adeus. Há espaço para abraços, lágrimas nos limites da alma e olhares trocados em silêncio. A tristeza apodera-se de quem vê partir e de quem parte, a ternura vai, vem, fica. É constante como o bater ritmado de um coração saudável. É um ciclo vivaz de cores, sabores, sons e angústias. Sentimentos que nascem sem que sejam cultivados, como ervas daninhas que nos corroem o pensamento. A ternura que todos temos debaixo da pele, feita para envolver aqueles que mais perto chegam do nosso coração, alimenta-se do nosso calor e às vezes faz-nos chorar...

3 de setembro de 2007

Simples

De pés cruzados e joelhos afastados, sentada no chão poeirento, brinca com um galho seco de uma videira. Sente o sol quente nos braços frágeis e rechonchudos, ouve com atenção todos os ruídos do campo num fim de tarde estival. Delicia-se com o vento macio que lhe beija a pele descoberta como uma carícia. É criança, sabe que o mundo todo lhe cabe numa mão e que todos os animais sabem cantar. E de repente levanta-se, sacode o pó dos calções curtos de algodão e corre em direcção a uma pequena nascente emoldurada de verde vivo. A água é límpida, o elixir da vida, o líquido que tem o segredo da alegria eterna. E para esta criança o sabor daquela água é melhor que um chupa-chupa de morango ou um gelado de caramelo. Sente-se mais feliz ao esticar os seus pequeninos dedos à água fresca e saboreá-la nos lábios quentes e na língua sedenta pelo calor. Volta a sentar-se no chão desta vez para observar de perto um formigueiro em fase de construção: vê com atenção e repara que as formigas tiram a terra em bolinhas e deixam-na à volta da entrada, pensa que é isso que a mãe faz quando está a limpar a casa, põe o que não quer cá fora. É tudo tão simples.

7 de agosto de 2007

As palavras são como os frutos nas árvores.

Por enquanto vou mordiscando as minhas palavras como quem trinca um fruto verde num acto de rebeldia. Ainda não tenho a paciência necessária para esperar que a fruta no pomar da minha imaginação fique doce e toda a gente a possa saborear.

Sou impaciente, mas é esse sabor agridoce do impulso que me faz ter forças para sorrir despreocupada. É o sentir o sumo fresco nos meus lábios que mata a sede de viver. Sei que um dia vou deixar de gostar da fruta rija e ainda verde, sei que vou passar a fazer o que for preciso para colher os frutos apenas quando estiverem maduros. Mas não me aflige porque quando isto acontecer vou lembrar-me do travo agreste da fruta verde e só isso vai permitir que volte a procurar a força que me faz agora puxar os frutos da árvore antes do tempo, só isso vai permitir-me seguir caminho sem perder quem sou.

16 de julho de 2007

As Cores

Adoro todas as cores. Não prefiro amarelo, azul ou verde. Gosto de as ver, de as sentir vibrantes em tudo o que me rodeia. A energia que transbordam inunda os meus dias e vou flutuando neste rio por entre sorrisos e lágrimas. E a natureza tem tantas cores...uma folha de videira não é só verde, é verde de força, de coragem para vingar, de persistência para proteger as uvas que brotam da planta. As cores nas asas das andorinhas não são tão simples como julgamos ser, o preto não é um preto baço e sem vida, é um preto azulado brilhante e resistente ao vento à chuva e ao sol. O amarelo do sol é feito de muitas outras cores, está cheio de vida, de movimento, de calor...aquece-nos os ombros e bronzeia-nos a pele...espraia-se em novas cores. Como o azul do céu se transforma com as nuvens e o sol, não é o mesmo azul de cada vez que olhamos para ele. As nuvens não são brancas. Não são só brancas, são cinzentas, azuis, são feitas de cores claras que se dissolvem na água suspensa pela atmosfera e criam a tonalidade clara a que estamos habituados. O vermelho guloso dos morangos, transborda o cheiro forte da doçura que lhe é característica, mistura-se com o tom escuro das grainhas que cobrem o fruto e faz crescer água na boca.
As cores são todas especiais e são ricas, plenas de vitalidade para quem as olha com atenção. A água absorve as cores que a tocam, a ausência de luz fá-las adormecer e por momentos ficarem afastadas do nosso olhar...mas nunca longe do nosso imaginário. Eu gosto tanto das cores...de todas elas, não tenho uma cor favorita. De uma maneira ou de outra todas me fazem sorrir.

2 de julho de 2007

- Sabes a chuva no verão.
- O quê?
- Sim, a chuva quente que te salva a pele das chamas do sol, que te deixa fresca e te põe a sorrir sem razão aparente. Tu és assim, fazes-me sorrir sem razão aparente. E eu sei bem que tenho todas as razões para sorrir, basta ter-te perto de mim.

10 de junho de 2007

Coração vs Mente

Está sentado num banco de jardim, a mente divaga, tenta encaixar as peças do puzzle. Tenta voltar a pôr tudo no lugar, enquanto tenta encontrar-se a si próprio. E às vezes não lhe parece tão fácil quando há tantas vozes que lhe dizem o que fazer, o que ser. De cada vez que ele tenta dar um passo a incerteza limita-lhe os movimentos. Sente-se longe, tão longe de tudo e de todos…adormecido num canto da sua vida sem querer acordar. A vida passa sem lhe tocar, os sorrisos, os gritos à sua volta não lhe pertencem. Todos os momentos que toca tornam-se estáticos, param no tempo.
Não tem expressão. Os fragmentos de si estão espalhados nos dias, nas horas que passa sozinho numa introspecção lancinante que lhe esfaqueia o coração pela inércia das palavras. Não diz o que verdadeiramente sente…mas a maioria das pessoas não o faz.
Encosta-se ao banco e não se sente confortável, tem a sensação de que mesmo se estivesse estendido na cama não seria capaz de descansar. O seu corpo é-lhe estranho e a sua alma não lhe responde. E ele vai passeando pelos dias até que o seu coração vença a luta que decidiu travar com a sua mente.




....Acho que é desta que volto aos posts com textos... =) fase pós-Segredos Aos Pedaços em livro!

4 de junho de 2007

Obrigada!


Porque há momentos que nos deixam sem palavras...



Muito Obrigada a todos!

A reportagem: aqui


24 de maio de 2007

Apresentação do Livro em Trancoso

Apresentação do Livro "Segredos aos Pedaços" de Tatiana Albino

02 de Junho - 15h30 - Hotel de Turismo de Trancoso


Para mais conhecimento, clika aqui.

9 de maio de 2007

Segredos aos Pedaços já à venda!

Antes de mais as mais sentidas desculpas a todos que me perguntaram nos comments onde podiam comprar o livro...é que eu também ainda não sabia de nada...


Bem mas agora posso dar-vos mais alguma informação!!!




Poderão encontrar o livro em qualquer uma destas livrarias:

INFO

Se tiverem algum problema avisem para eu poder contactar a editora e ela falar com a respectiva livraria....

E vá lá eu sei que as semanas académicas dão um valente desfalque nas contas da juventude...ms pode ser que sobrem uns 7, 50 euros para o gosto da leitura =P


30 de abril de 2007

Lágrimas...

Porque travas as lágrimas antes delas caírem? Deixa-as deslizar na tua pele e tombarem nas minhas mãos.
Encostas a tua cabeça no meu ombro e a água quente escorre pelo teu narizinho de princesa até pingar nas minhas calças, levantas-te e rapidamente pedes desculpa.
- Não peças desculpa, tomara eu ficar com as calças ensopadas de cada vez que precisas chorar!
Causei em ti um sorriso leve. Já tinhas os olhos vermelhos de tanto sal fazeres brotar de lá. Tremias. Partia-me o coração ver-te a soluçar, sentia a dor em cada uma das tuas lágrimas e a revolta no olhar. Os teus lábios inchados e quentes que mordias nervosamente e os teus dedos que seguravam instintivamente um lenço de papel húmido e salgado. Custava-me tanto ver-te assim.
Suspiras cansada e aconchego-te um pouco mais nos meus braços. Sim, eu sei que precisas de um abraço. Seguras-te ao meu pescoço e sem caíres do sofá consegues aninhar-te no meu colo. Acaricio o teu cabelo e os teus soluços de choro vão acalmando até que adormeces. Exausta de tanto sofrimento.

19 de abril de 2007

Thinking Blogger Award




É verdade, o meu blog recebeu o Thinking Blogger Award do blog Avesso dos ponteiros e resta-me agradecer! ^.^

E é a minha vez de premiar 5 blogs que me fazem pensar...

Enjoy Neverland

A Nona Onda


Tudo & Nada

Como se Leva uma Estrela para o Céu?

Letras Soltas


A todos os outros que não constam na lista quero que saibam que só não estão na lista porque ela era demasiado curta...todos os blogs que visito e que leio pelo menos um post inteiro fazem-me pensar de alguma forma. =)


Agora os escolhidos têm que colocar a imagem na barra no lado direito do blog e fazerem uma lista também! (:

6 de abril de 2007

Uma noite académica...

O sol está a nascer, a noite está a chegar ao fim. Ficam risos, músicas, palavras, momentos, serenatas…
Tu és o sol que há p’ra mim, tu és o amor que eu conheci…
Rostos cansados mas felizes, vozes gastas mas afinadas… as mãos unidas. Há magia no ar!
Rosa vermelha do meu jardim, que vale viver a vida sem ti…
Horas passadas com a certeza de que o tempo não volta atrás e que as memórias são o porto de abrigo da felicidade.
E não esqueças nem um segundo, eu tenho o amor maior do mundo. Coisas tão lindas para te dar, sempre a cantar!
O tempo passa, o sol já brilha alto no céu e relembra-nos de que tudo chega ao fim.
Deixa-me os teus olhos agora que partes, o calor da tua mão. Deixa-me ser só uma saudade no teu coração…
Momentos mágicos que carregamos nos pés cansados até casa.
E quando olhares as águas do rio, lembra-te de mim, és a andorinha de uma primavera que chegou ao fim…
Fica a certeza de que momentos assim não se repetem…e não se esquecem.

2 de abril de 2007

Apresentação do livro










A todos os que estiveram lá, a todos os que quiseram mesmo ir e não puderam e àqueles que chegaram no fim...mas que chegaram.



















MUITO OBRIGADO!









Sem vocês nada disto seria possível.

19 de março de 2007

Lançamento do Livro

No próximo dia 30 de Março, pelas 21h30 no bar Onda Jazz vai ser a apresentação do livro "Segredos aos Pedaços" da minha autoria.
Não Faltem!!
Sinopse:
A alma espelha-se naquilo que vivemos. E o que vivemos expressa-se nas criações que alcançamos. A cada momento da vida corresponde uma disposição específica e é essa disposição específica que caracteriza cada pedaço do nosso espírito. Nestes “segredos” a autora abre-se ao Mundo e fá-lo através de uma capacidade criteriosa da escolha das palavras. Cada uma delas tem um lugar, tem um significado unívoco, uma destreza emocional e uma clareza emocionante. O resto é uma deambulação, uma viagem, por vezes curta, por vezes longa, por vezes exterior mas sempre dizendo a cada um dos leitores que ela, a autora, conhece um pouco dos segredos de cada um, que através dessas viagens o Mundo foi tornando-se cada vez menos individual, cada vez mais comum.
Mapa aqui: www.multimap.com

11 de março de 2007

Há dias em que não sei quem sou, dias em que não reconheço quem me olha com sereno espanto no espelho. Mas nesses dias também sei que quem-não-sei-dizer-que-existe pode ser quem eu quiser. E eu posso permanecer esquecida numa almofada de sofá sem que a vida me incomode.
A capacidade de sonhar é infinita, bem o sei. Mas e quando a mente está cansada de montar e desmontar acasos para nós e o coração se estreita mais um pouco de cada vez que a alma é fraca demais para realizar os sonhos? Mesmo quando não sei quem sou sinto quebrar-se qualquer coisa cá dentro quando a vida me faz tropeçar e cair, mesmo quando não sou eu que sonho sinto a alma cobrir-se de negro à certeza da impossibilidade dos acasos. E quando há dor na incapacidade de me reconhecer a vida sussurra-me ao ouvido que me perdi. Eu respondo calmamente que não posso estar perdida porque nunca senti o contrário.
Sei porque é que não me reconheço.
De cada vez que aquilo que construo cai ao chão e se estilhaça em mil pedaços perco um pouco de mim, desaparece um pedacinho de quem sou. Quando passo horas a tentar reconstruir tudo outra vez, quando fico com os dedos dormentes e gelados por estar a colar todas as peças e no fim elas voltam a desmoronar-se aos meus pés. Quando sinto que já não há nada a fazer. Sei que não me reconheço porque há um bocadinho de mim que fica esquecido no meio das peças quebradas.

2 de março de 2007

Mas porque é que fizeste tanta questão em ficar espelhado na janela da minha alma? Eu até te podia ter disponibilizado um espelho bonito, com os berloques do destino à volta, em que a tua figura ficasse nítida e segura.
Mas não...Como o mistério cataliza as mentes humanas, insististe em deixar-me apenas com o reflexo esfumado e frágil de alguém que pretensiosamente assinou o meu coração com tinta permanente. É mesmo teu, sabias? Quando não te queria tão perto de mim, tão definido, estavas lá, vivo e ágil a forçar as minhas reacções ambíguas. Agora que quero ter a tua imagem aqui, que quero poder olhar para ti e conhecer-me, agora que começo a sentir a tua falta de forma estranhamente cortante, deixaste-me um mero reflexo num vidro escuro com gotas de chuva...E eu quase não consigo olhar para ti, tenho os olhos cansados e a percepção começa a falhar...A minha perspicácia já não é o que era, sabias? Aumentei assustadoramente o meu tempo de reacção e começo a perder a noção de como isso aconteceu. No entanto a tua imagem, o teu mero, pálido e esfumado reflexo fita o meu pensar e mais uma vez não consigo falar. Tinhas esse dom irritante e desarmante de me deixar sem palavras, se calhar foi por isso que ficaste tanto em mim...e dizias tu que eu falava demais.

Agora podes largar a minha janela? É que o reflexo dissimulado que me deixaste não me está a deixar apreciar a chuva e já te disse que não consigo olhar para esse tu que já não está...Adeus.

3 de fevereiro de 2007

Fim do dia

As sombras dançam à minha frente, brincam atrevidas com a pouca luz no quarto. E o pensamento voa, navega sem asas num espaço interminável a que tu já deixaste de pertencer. As palavras misturam-se e entrelaçam-se à procura dum significado que não existe. A música embala a respiração profunda duma alma sem retorno.
O fim do dia pesa como uma manhã de segunda-feira, a vida passa num queixume ligeiro como um choro de uma criança mimada. Os gestos não acompanham a mente, o corpo estende-se numa levitação morna, inconsciente.
E há aquela sensação estranha na ponta dos dedos...aquela que faz tremer os lábios e pulsar o sangue nas veias numa inquietação tranquila, um sentimento que não se explica, que nem sequer tem nome. Porque há tantos dias assim, em que precisamos de nos sentir deitados numa nuvem para podermos descansar.Dias em que até o movimento dos pulmões nos dói de tão esquartejado termos o coração.

9 de janeiro de 2007

Gostar de ti foi como rebolar por uma encosta de silvas, houve tanta coisa que me fez sangrar. Mas como as silvas têm as amoras tão doces, tão apetecíveis...Eu não me importava de continuar a picar-me para colher esse teu sorriso que reflecte o luar e provar do doce brilho dos teus olhos.

Sabes, quando era mais novo corria pelo campo sem me preocupar com os arranhões que surgiam inesperadamente nas minhas pernas ao final do dia...Agora também não vou desistir das amoras só porque as silvas me ferem a pele com gosto. Isso seria como esquecer a beleza de uma rosa só por que ela tem espinhos.

Mas estou cansado de curar os ferimentos ao fim de cada dia e voltar ao mesmo no dia seguinte. Se ao menos eu não gostasse tanto de amoras...